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WoMoz Week Brasil, mais que uma homenagem, um exemplo a ser seguido

A cidade de Gaurama, interior do Rio Grande do Sul, foi escolhida como palco para a homenagem do WoMoz para o dia internacional da mulher. Esse também foi o primeiro evento do projeto no Brasil. Para estrear com o pé direito, o público foi escolhido a dedo: mulheres que moram na zona rural da cidade e que nunca haviam tido contato com um computador. Como homenageá-las? Levando-as até a frente de um computador e mostrando que nunca é tarde para aprender como a Web pode facilitar e empoderar qualquer pessoa. Fizemos isso levando internet até a zona rural da cidade ao invés de levá-las à cidade em algum lugar com internet. Justamente com o evento, mostramos que o acesso à tecnologia pode acontecer em lugares onde antes nunca se imaginava. Mesmo sendo um local onde a tecnologia demora um pouco mais para chegar, e levar a tecnologia para a zona rural, onde essas mulheres estavam, fez com que todas elas se sentissem mais a vontade.

Antes de tudo que tal dar uma olhadinha na matéria que RBS TV fez sobre o evento:


Acesse o link direto para assistir com melhor resolução.

Negociação
Fazer um evento como esse não é fácil e exige muito planejamento e horas de conversas com os responsáveis pela cidade. O primeiro passo foi fazer as autoridades da cidade acreditarem nos projetos e na missão da Mozilla. Contamos  e mostramos para eles um pouco sobre tudo o que rolava no Brasil e no mundo dentro do Webmaker e do WoMoz, e isso bastou para que eles comprassem nossa ideia. Bastava agora adequar o projeto para a população local e, claro, escolher um local para que as oficinas acontecessem. Fizemos isto em mais 2 conversas, uma para definir local e público e outra para qual metodologia seria utilizada. Toda essa negociação levou vários meses, contando com várias conversas por telefone, vários e-mails e também algumas visitas à prefeitura durante todo esse período.

O local
Após estas definições, precisávamos escolher um local que representasse propriamente e que pudesse ser utilizado pelo nosso público mesmo após o término do evento. A sugestão que foi logo aceita por todos foi a Escola Santo Izidoro, que se localiza na zona rural de Gaurama, na comunidade de Vila Jardim. A escola tem aproximadamente 70 alunos, tem ensino infantil e fundamental e um método de ensino super legal. Lá são os próprios alunos que cuidam da escola. Eles desenvolvem projetos como cuidar da horta, de animais, de  algumas árvores e da cultura de alguns grãos. A escola ainda não possuía acesso a internet, assim como várias outras escolas localizadas em zonas rurais no Brasil. Levar as oficinas para lá daria além do acesso aos alunos e professores o acesso a comunidade local em um novo telecentro para a população da cidade, empoderando assim os cidadãos para que pudessem conhecer o mundo que web proporciona.

É claro que levar o acesso até lá não era algo simples, mas o governo municipal se propôs a fazer isso acontecer. Como citado antes, a escola fica situada na zona rural e nem mesmo sinal de celular chega lá, ou seja, a ideia de usar 3G estava descartada. Nem mesmo telefone fixo a escola possuí, o que dificultaria bastante levar internet que depende de linha telefônica para lá também. Sendo assim, a opção encontrada foi usar o acesso a rádio. Mas nem assim o acesso foi simples: foi necessário colocar uma antena com repetidor no meio de uma plantação de soja! Esta antena e o repetidor precisam de energia elétrica, e são atualmente alimentados com uma bateria que é recarregada utilizando energia solar, pois no meio da plantação era impossível levar energia de outra maneira. Os esforços não foram em vão! O espaço montado ficou muito bom e a internet funcionou o/ Que Gaurama sirva de exemplo para mostrar que podemos SIM levar internet para qualquer lugar e que isso seja replicado em inúmeras cidades pelo mundo.

O público
Convidamos aproximadamente 300 mulheres que residem na zona rural de Gaurama para que fizessem seu primeiro acesso a internet. A escolha do público se deu por que queríamos homenagear as mulheres Gauramenses de uma maneira especial. Escolhemos as mulheres do campo por que nos últimos tempos os computadores e a internet tem chegado a  casa dessas pessoas porém por medo e receio eles acabam ficando restritos ao uso dos jovens que residem nas casas. E entendemos que todos devem ter acesso e saber como utilizar  destas tecnologias. Além disso, as mulheres ficam mais tempo em casa e normalmente são mais engajadas no processo de educação, por isso decidimos começar nosso “batizado digital” por elas.

A presença das participantes foi comprometida pela greve dos caminhoneiros que estava acontecendo em todo o Brasil durante esta semana, o que afetou diretamente a rotina das nossas convidadas. Por exemplo, o leiteiro, que costuma fazer coletas de leite diariamente para posterior redistribuição, não estava recolhendo o leite nas comunidades. Varias mulheres estavam tendo que dedicar seu tempo (em alguns casos, dias) para produzir laticínios, para não desperdiçar a produção.

Outro vilão, o principal, que comprometeu a presença de alguma participantes nas oficinas foi o medo. Muitas mulheres não compareceram à oficina por que ainda tinham receio, ou por que não pensavam que aquilo seria importante para elas. Mesmo assim, tivemos um ótimo publico presente e pretendemos dar continuidade para que outras pessoas possam ter a chance de derrotar esse vilão.

Dentro desse público, tivemos algumas mulheres que mostraram o quão importante esta oficina seria na vida delas, antes mesmo das oficinas acontecerem. Foi o caso de uma senhora que teve problemas com o marido, que disse que caso ela fosse, ele não cobriria o trabalho dela, que não seria feito por ela não estar presente, e nem o dele, por ter sido deixado só. Como a vontade de ir para a oficina era tanta, a senhora madrugou mais cedo que o habitual no dia da oficina para fazer o tanto o trabalho dela quanto o do marido e poder ir à oficina sem ter nenhum problema com o trabalho na propriedade e sem maiores problemas com o marido. Outras tiveram que trazer seus filhos para oficina, por não ter com quem deixar a criança, incluindo bebês de colo.

Imediatamente após as oficinas, ouvimos diversas participantes já combinando de pagar um transporte do próprio bolso só para poder voltar ao telecentro e continuar aprendendo.

Estas mulheres são exemplos de vida, exemplos de pessoas que enfrentaram o medo e todas as outras adversidades só para comparecerem à oficina.

 O evento
Foram 10 oficinas que aconteceram durante a semana da mulher, cada uma com duração de aproximadamente 3h.

Como nosso público era composto de pessoas que em sua grande maioria nunca tinham tido contato com o computador, precisamos fazer uma oficina que ensinasse os primeiros passos para elas. Preparamos um material de apoio onde descrevemos qual era a função de cada parte do computador e os principais elementos da área de trabalho tanto do sistemas operacionais Windows (por ser o mais utilizado nas casas e nos computadores da cidade) e também GNU/Linux (no caso dessa oficina, o Linux Educacional), pois ele seria utilizado durante a oficina. E ainda poderíamos explicar as principais diferenças entre os dois sistemas operacionais, em especial os aspectos ligados a liberdade, e incentivar as então novas utilizadoras de computador a trocar o SO que possuíam nos computadores de casa por um mais seguro, mais fácil de usar e, principalmente, livre!

Nossas oficinas foram divididas em 3 partes: conhecendo o computador, conhecendo a área de trabalho e o OS e por fim, navegando na internet.

Na primeira delas, mostramos os componentes de um computador e a tarefa desempenhada por cada uma delas, encerrando ensinando as participantes a ligá-lo, o que foi um momento mágico para muitas delas, pois fizeram isso pela primeira vez durante a oficina, mesmo para aquelas que possuíam um computador em casa.

Já na segunda parte, mostramos os principais elementos da área de trabalho e explicamos como utilizar algumas funcionalidades. A principal dificuldade desta fase era a utilização do mouse, algo que pode parecer natural, mas que se tornava um desafio vencido a cada click no lugar correto para quem nunca havia ligado um computador antes, em especial para algumas mãos mais pesadas, calejadas pelo trabalho no campo. Mesmo com dificuldade, todas as participantes saíram da oficina com um domínio muito bom do periférico. Outra dificuldade, um pouco menor, foi a utilização do teclado. Algumas das participantes tinham a visão prejudicada, muitas vezes em função da idade avançada, e demoravam um pouco pra encontrar as letrinhas no teclado. Porém, assim como a dificuldade com o mouse, está também foi facilmente vencida pelas participantes que ao final da oficina conseguiram preencher nosso formulário de satisfação do evento digitando por si.

A última parte da oficina foi sem dúvida a mais divertida, o primeiro acesso a internet. Nesta parte, ensinamos o que é um navegador, para que ele serve e duas maneiras simples de navegar na internet. A primeira, quando já temos um endereço de uma página e queremos acessá-lo. Para isso, utilizamos um site de notícias da região norte do Rio Grande do Sul, mostrando uma das milhares de coisas que a internet pode ajudar e facilitar a vida da população. E a segunda, como pesquisar um termo em buscador. Utilizamos pesquisas simples como receitas de bolo e clima da cidade como exemplos de mais algumas funcionalidades úteis da rede. Todas as participantes conseguiram desempenhar estas tarefas sem maiores dificuldades.

Ao final da oficina, elas foram convidadas a preencher um formulário para dar opinião sobre a oficina. Ele também era online, após o preenchimento, realizamos a entrega de brindes da Mozilla, da Natura, que também nos apoiou durante o evento, uma muda de árvore cultivada pelos alunos da escola, além da entrega de uma mensagem super especial em homenagem ao dia da mulher e do certificado de participação da oficina.

O depoimentos
O que nos deixou mais feliz com esse evento foi sem dúvida ouvir das participantes quais foram as suas opiniões sobre ele. Selecionamos alguns dos depoimentos que foram deixados em nosso formulário para compartilhar um pouco desse nosso sentimento de alegria:

Nota 10. Eu nunca peguei no computador e consegui fazer bastante coisa, e os professores são bem calmos, pacientes, atenciosos. (81 anos, comunidade São Pedro)

Nota 10, pois sem esta oficina não sei quando conheceria a internet. É boa iniciativa moro no interior nunca tive acesso nem a um computador, adorei! (27 anos, comunidade Alto Caçador)

Nota 10, por que achei muito interessante e aprendi algumas coisas que eu não sabia e o pessoal foi muito legal pra ensinar. (37 anos, bairro Bela Vista)

Nota 9,5,  por que estava bom. Aprendemos bastante coisa. Estava tudo ótimo, gostei do curso. Se tiver mais, quero fazer!   (62 anos, comunidade Baliza)

Nota 10, com a minha idade, aprendi mais uma coisa. (76 anos, bairro Vila Jardim)

Se você quiser ter acesso a todas as respostas do formulário é só nos contatar ;D Além destes depoimentos por escrito, o que mais nos emocionou foi quando por diversas vezes éramos procuramos pelas participantes e ouvíamos algo do tipo:

“Eu achava que era mais complicado, mas foi bem fácil”

“Eu não tenho mais medo, vou chegar em casa e usar o computador do meu filho”

“Eu não queria ter vindo pois achei que seria difícil e agora que fiz pareceu muito fácil”

“Quando vai ter curso de novo? Quero fazer!”

“Gostei muito de hoje mas queria que isso continuasse”.

E nós também queremos que este projeto continue, que ele não morra e que essas mulheres e toda população de Gaurama continue aprendendo e tendo acesso a web. Para que isso seja possível, estamos trabalhando em conjunto com alguns voluntários para criarmos um Webmaker Club na cidade (assunto para outro post ;D). O que importa é que todas elas poderão sim continuar aprendendo e utilizando a web neste telecentro na zona rural da cidade.

 

Agradecimentos
O WoMoz Week Brasil não teria acontecido se não fosse pela dedicação máxima de cada um de seus idealizadores. Obrigada a Mozilla por ter tornado possível nossa ida até Gaurama para fazer com que o as oficinas saíssem do papel. Ao governo municipal de Gaurama e a todas secretarias do município que nos apoiaram por acreditarem em nosso projeto desde a primeira conversa e por ter feito todo necessário para que ele fosse possível, desde a instalação do novo Telecentro na zona rural até no transporte das participantes. À Natura, por ter doado vários presentinhos e ainda ter dado uma aula de automaquiagem para uma de nossas turmas. À Emater e em especial à Ana, por toda ajuda na hora de convidar as participantes e mostrar o quanto essa oficina era importante para elas, além do apoio durante todas as oficinas. Ao Armin Schuster, diretor da escola Santo Izidoro, que cedeu o espaço na escola para a criação do Telecentro e também nos apoiou na realização das oficinas. Agradecimento especial ao meu pai Domingos Devens, que sempre me ensinou o quanto era importante buscar conhecimento e que foi sem dúvidas o maior incentivador desse projeto, nos ajudando desde a primeira ideia até a execução. Se essas oficinas aconteceram, 90% do credito é dele. Obrigada de coração pai! À minha mãe, Marcia Devens, pelas horas e horas que dedicou a nos ajudar, por ter tirado férias só para poder nos ajudar e por ter conseguido o apoio das secretarias do município para o projeto. Aos voluntários Ricardo Panaggio e Samuel Moraes que junto comigo (Mel) preparam e fizeram cada uma das oficinas com toda dedicação e carinho do mundo, só quem é voluntário sabe o trabalho que cada evento traz e o quanto é gratificante cada gota de suor derramado para fazer ele acontecer. E claro, a todas as participantes que deixaram suas casas e afazeres durante um dia para nos dar a oportunidade de mostrar que podem sim aprender a web, não importa idade, classe social ou local onde residem. Que a coragem de vocês continue incentivando e inspirando pessoas, vocês são sem dúvidas exemplos de vida! Obrigada por tudo!Gostaria de encerrar este post com um pouco do que eu aprendi com esse evento. Nada é impossível se você tiver força de vontade. Não importa onde você mora ou a idade que tenha, sempre é possível aprender e ensinar. A vontade de fazer vence qualquer barreira, seja ela física ou mental. Gaurama conseguiu levar internet a um local onde muitos disseram que seria impossível e a força de vontade das pessoas e o esforço que empenharam nisso fez com que isso se tornasse possível. Ver cada sorriso e cara de satisfação por terem conseguido executar cada tarefa da oficina fez cada segundo do tempo e do esforço que todas estas pessoas dedicaram ao evento valer a pena.Obrigada a todas as pessoas envolvidas, obrigada a cada uma das mulheres que participou das oficinas. Que Gaurama sirva de exemplo pra inúmeras cidades ao redor do mundo, exemplo de que é possível levar acesso à internet e empoderar qualquer pessoa ensinando a ela a web.

Veja mais fotos de como foi o evento:

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